por Matheus Assaf

Por que determinados políticos, reconhecidamente maus gestores e/ou corruptos, continuam a se reeleger e ter relevância política no Brasil? Por que, ao mesmo tempo em que as Câmaras, Senado e Executivo têm uma credibilidade baixa com o público, a taxa de renovação é baixa? Não há respostas simples. Colocarei aqui um ponto de vista particular, uma visão de “economista”, que acredito será capaz de melhorar nosso entendimento.
Vou usar um conceito que os economistas chamam de “ignorância racional”. Isto se refere a uma situação em que um agente decide racionalmente ser ignorante sobre um assunto, porque os custos do aprendizado superam os benefícios do conhecimento. Por exemplo, apesar de eu querer aprender árabe, os custos de passar alguns anos estudando esta língua não são suficientes para justificar um desejo com pouca aplicação (logo, eu sou racionalmente ignorante em árabe). Este conceito pode ser aplicado ao comportamento dos eleitores: ao mesmo tempo em que um voto individual tem probabilidade próxima de zero de alterar o resultado das eleições, há os custos de pesquisar candidatos, assistir horário eleitoral, avaliar quais propostas são melhores e, finalmente, decidir quais são os melhores candidatos. Existe, portanto, uma tendência de eleitores a serem racionalmente ignorantes em política.
Ao mesmo tempo em que existem poucos incentivos a uma escolha cuidadosa dos candidatos, no Brasil existe um incentivo a votar em alguém, que é a obrigatoriedade do voto. Existem três opções para um eleitor “racionalmente ignorante” em política: (1) abster-se de votar; (2) votar em branco, nulo; e (3) votar em qualquer um. A escolha (3) pode parecer a mais persuasiva para alguns agentes, por garantir uma suposta “participação na vida política do país”, apesar de os dados relativos a abstenções e votos não-válidos sugerirem que os agentes são indiferentes entre as três opções.
Tal convergência de incentivos pode explicar a reeleição de figuras políticas já conhecidas, mesmo com má reputação.
Primeiro por um motivo simples. O eleitor conhece um número limitado de candidatos e propostas, geralmente os políticos mais conhecidos por realizarem determinadas obras, e não tem incentivo para buscar outro tipo de informação. Se o eleitor parte do pressuposto que os defeitos de um determinado político não são particulares, mas sim característica geral da categoria, realizações ligadas a uma figura são suficientes para que o eleitor decida o seu voto. Ou seja, ao mesmo tempo em que os defeitos de um político não são suficientes para uma “diferenciação do produto”, estar ligado a uma grande obra pode ser um bom atalho para uma vitória política.
Outra explicação está relacionada a aversão ao risco e a incerteza que a mudança política traz. Pode ser que a configuração do sistema político brasileiro aumente esta incerteza. A falta de um programa claro vindo dos múltiplos partidos aumenta a dificuldade em prever o governo de novos políticos. Enquanto, por exemplo, nos Estados Unidos é possível fazer uma previsão com boa precisão sobre as diferenças de políticas entre um governo Republicano e Democrata (mesmo que tais diferenças não sejam lá muito grandes), não existe nenhuma característica institucional que possa prever, digamos, um governo do PSB. Outra possível interpretação é que a homogeneidade entre políticos e partidos gera uma indiferença na escolha dos candidatos que torna a incerteza do novo, mesmo que não seja grande, suficiente para atuar como diferenciador.
Como os custos de ter um político ruim são essencialmente custos difusos para toda a população, a “ignorância racional” pode ser aplicável, o que é uma boa explicação para porque tantos eleitores fazem escolhas ruins repetidamente (uma explicação melhor, na minha opinião, do que “o povo é burro”). O eleitor economiza tempo e “utilidade” ao manter o mesmo voto por várias eleições, e mesmo que sua escolha seja ruim, os custos associados a isto são muito dispersos.
A reeleição de políticos ruins é decorrente de falhas institucionais do sistema político. A pergunta que surge é se existem possíveis correções nos incentivos que possam reduzir este tipo de ocorrência, ou se o sistema está fadado a produzir este tipo de resultado. Independente de qual seja a resposta, ela só pode ser obtida com uma compreensão minuciosa dos arranjos institucionais e suas falhas presentes.
As opiniões do autor não necessariamente refletem a posição do NOVO.