Lista fechada e o fechamento da política

28 de outubro de 2016

por Cauê Bocchi

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A Câmara dos Deputados instalou recentemente uma comissão especial para elaborar uma proposta de reforma política para o Brasil. O objetivo é que em até maio de 2017 já haja um projeto a ser apreciado pelo Congresso, de modo que as novas regras já possam valer para as eleições de 2018. Entre os pontos que devem ser discutidos está a chamada votação em lista fechada, tópico que é defendido pelo atual presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

De maneira sucinta, o voto em lista fechada faz com que o voto do eleitor seja direcionado ao partido, e não mais ao candidato. O partido, por sua vez, elabora uma lista com os seus candidatos, e essa lista é estabelecida conforme uma ordem de preferência. Isso significa que o candidato que está no topo da lista é o primeiro a ser eleito caso o partido consiga somente uma cadeira no parlamento, ou que os dois primeiros da lista são eleitos caso o partido consiga duas cadeiras, e assim sucessivamente. Entre os principais argumentos daqueles que defendem o voto em lista fechada, vale destacar o suposto fim do culto à personalidade do candidato e o respectivo fortalecimento da cultura partidária, bem como barateamento das campanhas eleitorais pelo fim da necessidade das campanhas individuais. A verdade, porém, é que o sistema de votação por lista fechada é uma das piores propostas possíveis, e a mera análise das supostas virtudes desse sistema já servem para provar isso.

O argumento de que a votação em lista fechada fortalece a cultura partidária cai por terra quando se observa a situação da imensa maioria dos atuais partidos brasileiros. Quem pode dizer, sem medo de errar, qual é a diferença de orientação ideológica entre o PTN e o PRTB? Ou entre o PPS e o PRB? Talvez entre o PP e o PR? Entre o PMDB de hoje e o de amanhã? Ninguém pode dizer a diferença porque ela simplesmente não existe. O atual ministro da Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab, disse inclusive que o PSD, partido por ele criado, não era nem de direita, nem de esquerda e nem de centro: o PSD, na verdade, se moldaria à situação conforme a conjuntura política. Resumindo: não existe no Brasil uma cultura partidária, e fazer com que o eleitor vote no partido e não no candidato somente servirá para afastar ainda mais a sociedade civil da participação política. Claro que seria ótimo se houvesse um posicionamento claro dos partidos sobre os temas mais relevantes, e seria ainda melhor se a população os conhecesse. O ponto, contudo, é que esse cenário está bastante longe de ser realidade, e nesse sentido a votação em lista fechada somente piora a atual conjuntura política.

A ausência de diferenciação entre a grande maioria dos partidos serve também para desmentir o argumento de que a votação em lista fechada serviria para acabar com o culto à personalidade do candidato. Na verdade, o único modo possível para os partidos diferenciarem-se entre si será com a escolha de candidatos populares – mas de modo algum necessariamente competentes – para compor as primeiras posições de suas respectivas listas; ou seja, é muito provável que o culto à personalidade não só não acabe, mas que inclusive se fortaleça: cantores de funk serão mais preciosos do que nunca, e o valor do candidato bem formado e preparado para exercer a política talvez seja ainda mais secundário do que já é atualmente. No sistema atual pelo menos ainda é possível escolher candidatos que de alguma forma se destacam apesar de seus respectivos partidos: com a lista fechada isso acaba, e o sistema eleitoral que já é ruim tende a ficar ainda pior.

O argumento mais utilizado para a votação em lista fechada é de que esse sistema vai baratear as campanhas eleitorais. Esse argumento é embasado especialmente na recente proibição de financiamento de campanha por pessoas jurídicas. A primeira consideração a se fazer é que a classe política cria um problema para depois tentar vender uma solução: muito mais fácil e coerente seria simplesmente acabar com a regra de proibição de financiamento eleitoral por pessoas jurídicas, que não ajuda em nada no combate à corrupção. O presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, já deixou claro que o nível de fraude e sonegação nas eleições de 2016 – na qual valeu a regra de proibição de financiamento por pessoas jurídicas – deve atingir níveis alarmantes. Para se citar apenas um exemplo ilustrativo, diversos beneficiários do Bolsa Família realizaram doações superiores a cinquenta mil reais a determinados candidatos, o que é só um modo educado de dizer que houve muitos laranjas nesse novo modelo eleitoral.

O mais curioso, porém, é que muitos daqueles que defendem a lista fechada por conta da necessidade de barateamento da campanha eleitoral são os mesmo que são favoráveis – ou que não são capazes de manifestarem-se contrários – à criação do Fundo Especial de Financiamento da Democracia, que, entre outras medidas, mais do que triplica o valor que os partidos políticos recebem a título de fundo partidário, chegando a R$ 3 bilhões por ano. E qual é a justificativa para essa medida, em plena crise econômica? Justamente a proibição do financiamento privado das campanhas eleitorais. Ou seja, ao mesmo tempo que se defende a votação em lista fechada para baratear as campanhas eleitorais (afinal, agora os partidos não contam mais com doações de pessoas jurídicas), defende-se também a triplicação do valor do fundo partidário aos partidos políticos (pelo mesmo motivo). Em resumo: o principal argumento favorável à votação em lista fechada não sobrevive nem às medidas da própria reforma política da qual ele faz parte.

É verdade que alguns dos países mais desenvolvidos do mundo adotam modalidades de votação em lista fechada, mas isso não quer dizer que essa seja a solução para o Brasil atual. Nos Estados Unidos, por exemplo, o cidadão médio sabe qual é o posicionamento da grande maioria dos candidatos republicanos e democratas sobre os temas mais relevantes. O Brasil, por sua vez, conta com uma enormidade de partidos que, em sua imensa maioria, não representam coisa alguma, e enquanto isso não mudar não existe espaço para se defender a votação em lista fechada. O efeito prático desse sistema será fazer com que a política tenha os seus rumos ditados pelos caciques dos atuais partidos: ao invés de ir às ruas pedir voto, o candidato terá somente que puxar o saco do chefe do partido.

Cauê Bocchi é advogado (FGV-SP) e professor de redação no cursinho pré-vestibular da mesma instituição. Foi candidato a vereador pelo NOVO em São Paulo nas eleições de 2016.

O texto reflete a opinião do autor e não necessariamente a posição do partido.

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