Interesse Público Comprometido: Lula Reduz Autoridade da AGU em Favor do TCU

01 de janeiro de 1970

Foram apenas 22 dias. Em 4 de julho, um decreto assinado pelo presidente Lula e pelo chefe da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, confirmou uma prerrogativa legal da AGU: a de autorizar ou não o ingresso de qualquer órgão público federal (inclusive ministérios) interessado em negociar um acordo com empresas privadas a respeito de contratos controversos no âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU).

O órgão vem selando negociações vultosas em favor de grandes empresas, frequentemente muito bem relacionadas com o Palácio do Planalto.

Em outras palavras, o advogado-geral, Jorge Messias, poderia abortar na fase inicial negociações que não seguissem os requisitos da lei e pudessem trazer problemas jurídicos para o governo no futuro. 

Na última sexta-feira, dia 26, em um novo decreto, assinado desta vez com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e sem Messias, Lula retirou da AGU o papel de fazer o filtro daquilo que pode entrar ou não em negociação.

Dessa forma, Lula reforçou o poder do TCU, concentrado no presidente do tribunal, Bruno Dantas.

O recuo de Lula veio após pressão de Rui Costa e do ministro Renan Filho, dos Transportes – que trabalha em boa sintonia com Dantas, assim como outros ministros de infraestrutura (Alexandre Silveira, de Minas e Energia, e Juscelino Filho, das Comunicações).

A criação da SecexConsenso, em dezembro de 2022, estreitou esses laços. “Essa secretaria virou uma coqueluche, e todos os ministros do governo têm demandas para essa nova secretaria”, declarou Dantas em uma entrevista para o SBT.

Acordos controversos

Alguns desses acordos vêm sendo firmados apesar da oposição dos auditores especializados e do Ministério Público Junto ao TCU (MPTCU), que apontam prejuízos e desvantagens nos negócios, como nos casos da Âmbar Energia, dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

Na pressão para que voltasse a ter plena autonomia, Dantas havia suspendido as atividades da secretaria de consenso sem interromper os prazos de negociação dos acordos sob análise, que são de 90 dias, prorrogáveis por no máximo 30.

Deixar o relógio correndo foi uma forma de colocar o governo contra a parede.

A entrada da AGU nas discussões na SecexConsenso não inviabilizava acordos. O decreto estabelecia que a participação do órgão era obrigatória em mediações e negociações que envolvessem a União ou suas autarquias e fundações, justamente para garantir que todas as transações fossem conduzidas com segurança jurídica e sob controle de legalidade.

A medida encontrava respaldo na Lei 9.469/1997, que obriga o Advogado-Geral da União a examinar acordos para garantir a legalidade e a legitimidade das transações, especialmente quando envolvem valores acima de 50 milhões de reais.

O decreto tentava corrigir a ausência da AGU nas conversas de mediação que o TCU vinha conduzindo sem essa análise prévia.

Muitas das tratativas despertaram polêmica, com empresas inadimplentes que causaram prejuízos à União, muitas delas envolvidas em práticas de corrupção.

Além disso, é a AGU que representa a União perante o Poder Judiciário, onde os acordos poderão ser questionados — como já aconteceu com a Oi.

Ao retirar a necessidade de aprovação da AGU, o TCU ganha uma autonomia notável nas negociações.

Centralização do poder no TCU em detrimento da AGU: uma ameaça ao interesse público

Embora o tribunal tenha seus próprios mecanismos de controle, a ausência de um órgão central como a AGU pode levar a decisões que não sejam necessariamente as melhores do ponto de vista do interesse público ou que sejam mais suscetíveis a influências externas. 

Em março, o TCU havia alterado uma regra para facilitar a aprovação de acordos. Até então, era preciso a concordância de todos os integrantes da comissão de conciliação (um representante do ministério, outro da agência reguladora, outro da empresa e dois do TCU, sendo um da SecexConsenso e outro da unidade de auditoria especializada).

Mas, como havia oposição em alguns casos, o TCU decidiu que não era preciso mais consenso na SecexConsenso.

Os auditores que participam da comissão de conciliação podem até discordar de um acordo, mas ele irá adiante se o chefe do setor, vinculado a Bruno Dantas, desejar.

A AGU segue participando do processo, mas com pouca influência. Para acordos com contratos a partir de 50 milhões de reais, porém, a lei exige também a avaliação da cúpula da AGU, que é quem tem a visão global do Executivo e pode ser chamada a resolver divergências de entendimento entre órgãos federais diferentes, por exemplo.

Pela nova regra, porém, a cúpula do órgão perde a chance de analisar o processo de construção dos acordos e só entra em cena na fase final, quando as bases da negociação estão formatadas.

É muito mais difícil para um órgão técnico barrar o que já está sacramentado, devido às pressões políticas e empresariais. 

A maior de todas as bombas é a pendência sobre o acordo que o Ministério de Minas e Energia quer fazer com a Âmbar Energia, do grupo J&F, propriedade dos irmãos Batista, mesmo com o parecer contrário de auditores contratados e do MPTCU.

A Âmbar havia sido contratada por 18,7 bilhões de reais para construir quatro termelétricas até agosto de 2022. Não cumpriu o prazo.

O ministro Alexandre Silveira pediu uma conciliação no TCU, de onde saiu uma minuta de um novo acordo, de 9,4 bilhões de reais, para operar apenas uma usina, e ainda reduzir a multa de 6 bilhões de reais para 1,1 bilhão de reais.

A empresa ainda deixará de ser obrigada a gerar energia ininterruptamente, passando a fazê-lo apenas sob demanda.

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