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REAL – 25 ANOS
O Plano Real, o mais bem sucedido programa de estabilização adotado no país, completa 25 anos. Os brasileiros com mais de 40 anos se lembram claramente das estratégias das famílias para mitigar os efeitos da hiperinflação sobre a renda nos anos 1980 e 1990.
Em 1992, quando Itamar Franco assumiu a Presidência da República, após a renúncia de Collor, a inflação acumulada no Brasil em 12 meses estava em 1.119%.
O país vivia uma de suas piores crises políticas e uma profunda recessão. A arrecadação tributária era insuficiente para cobrir os custos. Como consequência, o governo apenas ordenava ao Banco Central — que, na época, podia comprar títulos diretamente do Tesouro — que imprimisse o dinheiro necessário para fazer frente às despesas governamentais não cobertas pelos impostos. No início da década de 1990, essa prática tão conhecida por muitos brasileiros havia chegado ao limite. Após mais de uma década com inflação de preços anual acima dos 100% e estava deflagrada a hiperinflação.
Além do aprofundamento da desigualdade, com a população mais pobre sem a proteção financeira contra o aumento de preços, a hiperinflação provoca problemas que inviabilizam qualquer chance de crescimento econômico sustentável. Vários planos econômicos já haviam sido implantados no Brasil: Plano Cruzado (I e II) em 1986; Plano Bresser em 1987; Plano Verão em 1988/1989; e Plano Collor (I e II) em 1990 e 1991. Todos envolviam congelamento de preços e alguns com cortes de zeros das moedas. Os preços eram congelados, mas o governo continuava imprimindo dinheiro para financiar seus déficits. Ao final de cada plano, a inflação de preços ressurgia com vigor redobrado.
Estava claro, portanto, que uma solução definitiva era mais do que urgente, já não bastava mais trocar o nome da moeda e cortar três zeros como paliativo fartamente utilizado nos planos econômicos anteriores.
Entre dezembro de 1992 e maio de 1993, Itamar Franco nomeou três ministros da Fazenda, Gustavo Krause, (dezembro), Paulo Haddad (janeiro/março) e Eliseu Resende (março/maio). As dificuldades ainda eram imensas e a reestruturação da dívida externa brasileira ainda não tinha sido concluída. Eliseu Resende não conseguiu reverter a crescente deterioração das expectativas privadas em relação ao Programa de Estabilização Econômica, lançado em 21/04/1993 e o agravamento da situação inflacionária. O mercado aguardava medidas mais ousadas e reformas mais amplas.
Foi no final de maio de 1993, quando a inflação de preços acumulada em 12 meses já estava em 1.348%, que Itamar Franco nomeou o então Ministro das Relações Exteriores, Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda.
Ao assumir a pasta, o novo ministro se cercou de uma equipe técnica coesa, recrutada junto à Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO). Foi a eles que o ministro delegou a tarefa de debelar em definitivo a inflação. A equipe de economistas encarregada desta função era composta por Gustavo Franco, Pedro Malan, André Lara Resende, Persio Arida, Edmar Bacha e Winston Fritsch. Pedro Malan, (que viria a ser o ministro da Fazenda), se integraria à equipe em setembro, já como presidente do Banco Central.
O objetivo da reforma monetária era lançar uma moeda cujo valor fosse muito próximo ao dólar. Na prática, o objetivo era fazer uma dolarização da economia, mas sem que houvesse uma dolarização de fato. Decidiu-se pela criação e emissão de mais uma nova moeda, e não a dolarização, porque utilizar uma moeda estrangeira significava que o governo não mais teria capacidade de imprimir dinheiro para financiar seus déficits, passando a depender exclusivamente de impostos e empréstimos para cobrir seus gastos.
No dia 1º de agosto de 1993, novamente o nome da moeda foi alterado com o corte dos três zeros. A moeda deixava de se chamar Cruzeiro e passava a se chamar Cruzeiro Real. A hiperinflação persistia: era de 33% no mesmo mês de agosto e de 1.730% no acumulado de 12 meses.
No dia 7 de dezembro de 1993, finalmente foi apresentado o plano de estabilização que dependia de cinco fatores essenciais:
1) Zerar o déficit público — justamente o fator que gerava a emissão de dinheiro. Para isso, haveria um aumento de cinco pontos percentuais em todos os impostos federais e privatizações de estatais, principalmente dos bancos estaduais;
2) Desindexar a economia — isto é, acabar com as correções automáticas de preços e salários, que eram reajustados automaticamente de acordo com a inflação passada (prática essa determinada por lei). Em termos técnicos, isso ficou conhecido como “acabar com a inércia inflacionária”;
3) Reindexar a economia de acordo com a taxa de câmbio — isto é, fazer com que preços e salários variassem de acordo com o dólar. Na prática, o dólar se tornava o novo indexador.
4) Abrir a economia por meio da redução das tarifas de importação — tudo era válido para combater qualquer escalada de preços (bons tempos);
5) Aumentar acentuadamente as reservas internacionais — isto é, o governo deveria comprar dólares continuamente, acumulando-os até o momento da introdução da nova moeda. Quanto mais dólares o governo tivesse em suas reservas, maior seria a confiança dos investidores internacionais na seriedade e na robustez do plano, e menores seriam as chances de um ataque especulativo e de uma fuga de capitais.
Uma vez cumpridas essas cinco medidas, a nova moeda nasceria com um valor praticamente igual ao dólar.
A mudança mais importante de todas ocorreria em 28 de fevereiro de 1994, período em que a inflação acumulada em 12 meses já estava em 3.025%: a introdução da Unidade Real de Valor, a URV, que na prática era a cotação do dólar do dia anterior. A taxa de câmbio do final de cada dia era estabelecida como sendo o valor da URV do dia seguinte. Este valor serviria de indexador para todos os valores da economia. Assim, os bens e serviços precificados em Cruzeiro Real deveriam ser divididos pela URV (taxa de câmbio determinada no dia anterior) para se encontrar os preços em Real. No dia 28 de março de 1994, a URV foi determinada em CR$895,03. Isto significa que, no dia 29 de março, os preços em Cruzeiro Real deveriam ser divididos por 895,03 para se obter o preço em Real. Este processo era repetido diariamente.
O objetivo desta indexação em URV era apagar a “memória inflacionária”. Todas as negociações, os contratos deveriam ser estabelecidos com base na URV para que, no dia da transição do Cruzeiro Real para o Real, em 1º de julho, os preços fossem exatamente aqueles do dia anterior.
A elaboração dessa substituição da moeda baseou-se na proposta de André Lara Resende e Pérsio Arida (Proposta Larida), apresentada em 1984, que indicava ser necessária a simultaneidade da existência de duas moedas: uma contaminada pela inflação e a outra protegida e valorizada, com um processo gradual de substituição até o momento em que os agentes econômicos restabelecessem a confiança na nova moeda. Era preciso, então, recuperar suas três funções básicas: unidade de conta, intermediário de troca e reserva de valor.
Em 30 de junho de 1994, por meio da Medida Provisória n° 434, assinada pelo presidente Itamar Franco, o Plano foi oficialmente anunciado pelo então ministro da Fazenda Rubens Ricupero, que sucedeu FHC já em campanha presidencial. Nessa época, a inflação de preços foi de 47,43% e a inflação acumulada em 12 meses foi de 4.922%, a taxa de câmbio encerrou o dia com o dólar valendo CR$2.750,00. Para estabilizar os preços e reestabelecer o poder de compra da moeda nacional, todos os valores em Cruzeiro Real deveriam ser divididos por 2.750 para se chegar ao valor em Real. Todas as contas bancárias, todas as aplicações e investimentos foram automaticamente convertidos em Real: morria o Cruzeiro Real e, na sexta-feira, dia 1º de julho, nascia o Real, valendo exatamente 1 dólar. Toda a base monetária foi trocada de acordo com esta paridade de CR$2.750,00 para cada R$1,00. Quem estivesse em posse de cédulas de Cruzeiro Real deveria trocá-las nos bancos por cédulas e moedas de Real.
Adeptos da teoria austríaca sabem que uma moeda só é imediatamente aceita após o seu surgimento caso ela já possua um histórico como meio de troca. A transição do Cruzeiro Real para o Real foi sem maiores sustos. A sociedade, surpreendentemente estava preparada e aberta à concretização definitiva do plano. Feiras, mercados, todos já utilizavam o real como moeda válida para negociar, comprar e vender. A inflação de preços, que havia sido de 47,43% em junho, passou para 6,84% em julho, 1,86% em agosto, 1,53% em setembro, 2,62% em outubro, 2,81% em novembro e 1,71% em dezembro.
Já no primeiro dia útil após a transição da moeda, a taxa de câmbio passou a flutuar. A partir daí, seu valor foi sendo determinado, ora pelo mercado, ora pela intervenção do Banco Central. O BACEN se limitava a, diariamente, estabelecer um piso e um teto para a taxa de câmbio — algo tecnicamente chamado de ‘banda cambial’ —, mas estes valores aumentavam diariamente.
Para ajudar no controle da inflação de preços, a economia passou por um processo de modernização. Além da privatização de empresas estatais ineficientes, houve também a extremamente importante privatização de bancos estaduais, como por exemplo, o Banespa e o BANERJ. Esses bancos eram utilizados pelos governos estaduais da época como fonte fácil e farta de financiamento. As instituições operavam praticamente sem lei e financiavam todo tipo de favor político, não tinham de prestar contas a ninguém. Sua gerência política fazia a farra com os recursos, o Banco Central imprimia o dinheiro para cobrir a farra e o resto da população sofria as consequências. Não à toa, a inflação só passou a ser menor após esses bancos terem sido tirados da órbita de seus governos estaduais. Sem essas privatizações, dificilmente a inflação de preços cairia para menos de um dígito
A qualidade da moeda é determinada ou pelos ativos que a lastreiam ou pelos ativos pelos quais ela pode ser trocada sob demanda e sem restrição. O Real deu certo porque estava justamente no tamanho das reservas internacionais em dólares.
Ao final de julho de 1994, a quantidade de reais em poder do público e em contas-correntes era de R$10,687 bilhões. Já a quantidade de reservas internacionais era de US$43,09 bilhões. Mesmo se todos os reais em circulação na economia brasileira fossem convertidos em dólares, ainda sobrariam muitos dólares, ou seja, na eventualidade de uma crise econômica mundial que assustasse os investidores estrangeiros e os levasse a retirar todos os seus investimentos do Brasil, eles não teriam por que se preocupar em não conseguir converter reais em dólares. Havia dólares sobrando. E foi justamente esta “qualidade do Real” — o fato de estar lastreado abundantemente em dólares — que garantiu a confiança dos investidores, levando à sua imediata apreciação logo após o seu surgimento. As reservas em dólares foram toda a base do Plano Real. Daí a importância das compras de dólares iniciadas ainda no final de 1991.
O Plano Real enfrentou três grandes crises mundiais: a Crise do México (1995), a Crise Asiática (1997-1998) e a Crise da Rússia (1998). Em todas essas ocasiões o Brasil foi afetado diretamente, pois estava em reformas e necessitava de recursos, investimentos e financiamentos estrangeiros. Manter as reservas internacionais, portanto, não era fácil. Grandes somas de dinheiro deixaram o Brasil em cada um desses momentos devido ao medo que os grandes investidores tinham com os mercados emergentes. Ao menor indício de crise em qualquer um desses países, uma massa de investidores corria para buscar refúgio em moedas fortes. Isso contaminava negativamente as contas de diversos países, causando um efeito cascata globalizado. Dado que havia esta saída de dólares, o país tinha de manter juros elevados para atrair capital externo.Esses ingredientes provocados pela necessidade de ser manter as taxas de juros elevadas, o câmbio valorizado e a dependência de poupança externa – como principal fonte de financiamento da economia brasileira -, levaram o país, entre 1998- 1999, a uma crise cambial. Esta foi a “mácula” da primeira fase do Plano Real: a necessidade de manter juros altos para atrair dólares e, com isso, manter a confiança da comunidade internacional no Plano, e assim permaneceu até o “fim” daquilo que se convencionou chamar de “primeira fase” do Plano Real, no dia 13 de janeiro de 1999.
As crises internacionais elevaram mais os juros. No dia 17 de agosto de 1998, A Rússia entrou em crise financeira, e o governo russo anunciou uma forte desvalorização do rublo seguida de uma moratória. Adicionalmente, a retomada dos confrontos na Chechênia e o início de uma nova guerra entre os separatistas e o governo russo pioraram ainda mais o humor dos investidores estrangeiros, que ainda estavam abalados pela crise asiática. Houve uma maciça fuga para o dólar.
Em julho de 1998, as reservas internacionais do Brasil estavam em US$70,2 bilhões. Em novembro, elas já haviam despencado para US$41,2 bilhões. E no início de janeiro de 1999, continuaram caindo para US$36 bilhões. Simultaneamente, o M1 (papel moeda em poder do público que não rende juros, de liquidez imediata) havia crescido de R$42 bilhões para R$49 bilhões. Especuladores e investidores desconfiavam que o Banco Central não fosse capaz de manter sua política de venda de dólares a fim de manter o câmbio relativamente inalterado. O crescente endividamento do governo prenunciava calotes. Temerosos quanto a este calote e quanto a uma iminente desvalorização do real, investidores estrangeiros começaram a tirar seus dólares do Brasil. Paralelamente, os especuladores também atacaram.
Durante todo este período houve uma forte valorização do dólar. Para evitar a desvalorização do real e a crescente valorização da moeda americana, o Banco Central vendeu maciçamente os dólares de suas reservas internacionais. US$34 bilhões foram vendidos apenas para evitar que o câmbio se alterasse mais acentuadamente. Houve a redução de US$70,2 bilhões para US$36 bilhões de dólares nas reservas internacionais em menos de seis meses para que até o final de 1998, a trajetória de valorização do dólar se mantivesse dentro da tendência histórica.
Tal política obviamente era insustentável. Chegaria um momento em que as reservas internacionais estariam em um ponto crítico. Se a tendência se mantivesse, elas poderiam ser totalmente aniquiladas. Por outro lado, caso o Banco Central nada tivesse feito, o dólar realmente se valorizaria acentuadamente. Em época eleição presidencial, isto não seria tolerável.
Até que em janeiro de 1999, com as reservas na metade de onde estavam em abril de 1998, o Banco Central simplesmente desistiu de vender dólares para segurar o câmbio deixando que ele flutuasse. Assim se iniciou a segunda fase do Real. Dali em diante, foi adotado o famoso tripé macroeconômico que conhecemos: câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário, complementado pelas metas de resultado primário e demais regras criadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Assim, é correto colocar que o Plano Real foi resultado de um longo processo de experiências mal sucedidas, por várias razões, mas principalmente por não contarem com um ambiente internacional mais propício. A filosofia do plano não se restringia apenas à estabilização econômica, mas contava com uma ampla abertura comercial e financeira e um programa de privatizações de estatais objetivando um ajuste fiscal com redução, bastante profunda, das funções do Estado na sociedade, o que, infelizmente não ocorreu. Apesar do Plano Real se tornar o mais bem sucedido programa de estabilização adotado no país, o crescimento econômico esperado não foi alcançado por diversos motivos, entre eles a não abertura necessária e a fundamental diminuição do Estado na economia.
No governo seguinte, até abril de 2006, a política econômica do governo Lula não diferiu da praticada pelo governo Fernando Henrique. A partir daí, começaram os aumentos de gastos. Quando veio a crise de 2008, a aposta foi dobrada. As políticas para evitar a recessão foram entendidas como uma licença para continuar ampliando as despesas. No governo Dilma houve perda total de controle com subsídios e desonerações e a continuidade dos gastos.
Após 25 anos, ainda colhemos bons frutos do Plano Real. Porém, a nova geração desconhece a realidade da hiperinflação vivida antes, o que é preocupante. A maior parte dos brasileiros não tem memória pelo que passou. A memória é importante para criarmos defesas necessárias, melhorarmos nossas escolhas políticas e não repetirmos os erros.
Informações:
www.centrocelsofurtado.org.br
Folha de São Paulo
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Imagem: A gazeta digital