Caixa 2, propina e o atentado à democracia

24 de abril de 2017

por Luiz Gama


As delações premiadas verbalizaram aquilo que todo mundo sabia: no Brasil, imperam as relações espúrias entre políticos e empresas privadas que prestam serviços para o Estado.
Se os pagamentos feitos a políticos, partidos e campanhas, que teimam em não se distanciar dos milhões, espantaram e indignaram a população, a possibilidade cada vez mais real de punibilidade finalmente amedronta os políticos.

A carta da vez é diferenciar, em conceito e modo de tratamento, o “Caixa 2” da “propina”: congressistas, ministros, chefes de poderes e outros enrolados com a Justiça tentam agora estabelecer a seguinte separação (como se ela tivesse alguma valia):

– “Caixa 2” seria o dinheiro recebido e não declarado na prestação de contas corrente ou de campanha, supostamente utilizado para campanhas ou outro uso político/partidário.

– “Propina” seria o dinheiro recebido e embolsado pelo político, supostamente utilizado para viagens, carros, compras e outros luxos que lhe são costumeiros e incompatíveis com seus patrimônios (lógico, os declarados).

A intenção por trás dessa separação é criar o – falso! — sentimento de que uma conduta é “menos pior” que a outra e, por isso, deveria ter uma punição mais leve.
O que não se costuma perceber, à primeira vista, é que o Caixa 2 é um grande atentado a uma democracia com regras como as nossas.

Explica-se: de forma acertada, nossa legislação eleitoral permite doações privadas para partidos e campanhas vindas de pessoas físicas (até pouco tempo atrás também permitia doações de pessoas jurídicas, mas a permissão foi revisada pelo STF).
A existência dessa regra requer o atendimento de uma premissa crucial: transparência.

Somente a transparência total e irrestrita das doações recebidas por cada político, partido e campanha, dará ao cidadão as informações necessárias para fazer a escolha de seus candidatos.
Somente uma prestação de contas real, honesta e completa, garante um dos pilares de nossa democracia. O Caixa 2 é a antítese da transparência.

Em exemplo prático: o empreiteiro Marcelo Construções doou R$ 500 milhões de reais para a campanha do candidato Silva.

O eleitor João, ciente desta doação, que consta da prestação de contas do candidato Silva junto aos tribunais eleitorais, poderá escolher se quer ou não votar no candidato Silva, financiado pela empreiteira.

A doação, sendo legal e totalmente transparente, entrega a decisão de eleger ou não Silva, que foi financiado pela empreiteira, a quem cabe fazer essa escolha: João, o eleitor.
Se João quer ou não eleger um candidato financiado (legalmente) por uma empreiteira para representá-lo, esta é uma decisão de João.

Por outro lado, caso a mesma doação não seja declarada por Silva em sua prestação de contas, isto é, seja recebida via “Caixa 2”, o eleitor João não terá todas as informações necessárias para definir seu voto. João pode acabar votando em Silva, acreditando que seus financiadores são trabalhadores de sua fábrica, e não a empreiteira que tem contratos milionários com o governo.
João baseou seu voto numa informação falsa. No “Caixa 1” só constavam as doações dos trabalhadores.

É esse o atentado à democracia gerado pela falta de transparência. É esse o atentado à democracia gerado pelo “Caixa 2”. Honestamente, fico na dúvida do que é mais danoso para o país: Caixa 2 ou a propina. Tendo à primeira opção.


Luiz Gama é advogado. 


Os textos refletem a opinião do autor e não, necessariamente, do Partido Novo.
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