
por Cauê Bocchi
Nas eleições de 2016 começou a valer uma nova regra, fruto da chamada minirreforma política: somente puderam se eleger os candidatos que atingiram, no mínimo, dez por cento do valor do quociente eleitoral. Em São Paulo, por exemplo, o quociente eleitoral foi de pouco mais de noventa e oito mil votos, o que significa que somente puderam se eleger candidatos com, no mínimo, nove mil e oitocentos votos. A intenção dessa regra foi acabar com o chamado “efeito Tiririca”, fenômeno bastante comum até 2014, no qual um candidato popular obtinha uma votação expressiva a ponto de não somente para eleger a si mesmo como também obter votos suficientes para atingir o coeficiente eleitoral para eleger outros candidatos do partido ou coligação, muitos deles com votações inexpressivas. Nesse sentido, a nova regra exige um patamar mínimo de representatividade de todos os candidatos, minimizando bastante o efeito de carona que candidatos pouco votados obtinham sobre os candidatos mais populares.
Se, por um lado, essa regra de representatividade impede que candidatos com pouco apelo popular sejam eleitos, ela, por outro lado, dificulta bastante o surgimento de novos nomes na política, bem como o surgimento de novos partidos: afinal, o dinheiro e a infraestrutura que os grandes partidos e os candidatos já conhecidos dispõem facilita bastante que eles se perpetuem no poder, e a nova regra tende a fortalecer essa tendência. Há, portanto, uma dicotomia: a regra é boa na medida em que elege candidatos que respeitam um piso razoável de representatividade popular, mas é ruim porque dificulta uma renovação política, bem como o fortalecimento de novos partidos. A questão é: será que é realmente preciso escolher um dos modelos e arcar com os seus respectivos efeitos colaterais negativos? Será que não é possível estruturar um modelo que abranja os benefícios das duas opções e, ao mesmo tempo, minimize os malefícios a elas associados?
Uma nova alternativa pode ser encontrada na diferenciação entre os votos dados aos candidatos e os votos dados à legenda partidária. O modelo atual é feito para impedir que candidatos populares arrastem outros candidatos consigo; o problema é que a regra confere o mesmo tratamento aos votos dados na legenda: ou seja, se determinado partido tiver votos na legenda suficientes para atingir o coeficiente eleitoral, o candidato ainda precisa atingir os dez por cento desse valor para ser elegível. A questão, contudo, é que é inadequado falar de “efeito Tiririca” quando os votos são destinados ao partido, e não a um candidato específico. Na verdade, o voto na legenda é a exata negação de tudo aquilo que a nova regra pretende evitar, e não faz sentido que a regra penalize o comportamento que respeita os seus próprios objetivos. Em síntese, a proposta é que se trate diferentemente os votos dados ao partido daquele dado a um candidato específico, e que a regra dos dez por cento somente seja aplicada ao montante destinado aos candidatos. Excluir-se-ia da regra dos dez por cento, portanto, o montante de votos destinados à legenda na formação do coeficiente eleitoral.
O exemplo abaixo pode esclarecer como a nova regra funcionaria:
* Coeficiente eleitoral à 50 mil votos
* Partido X à 150 mil votos
* Segundo candidato mais votado à 4 mil votos
* Número de eleitos na regra antiga à 3 candidatos
* Número de eleitos na regra atual à 1 candidato
* Número de eleitos na regra proposta à 2 candidatos
No exemplo acima, a nova regra elegeria dois candidatos. A regra atual elegeria somente um candidato, e a regra antiga elegeria três candidatos. O fato de a regra proposta estar no meio termo entre a regra antiga e a nova não é o que faz dela uma boa opção: a grande virtude dela é que ela permite a eleição de novos candidatos sem que se tenha que apelar para o populismo e/ou personalismo de outros candidatos, e ao mesmo tempo assegura um protagonismo hoje inexistente aos partidos políticos; ou seja, o melhor dos dois mundos. Com essa proposta, ganham os partidos com propostas e mensagens claras, e perdem aqueles de caráter fisiológico ou que servem de trampolim para políticos poderosos.
A verdade é que a regra atual faz com que o voto na legenda seja quase um suicídio político, porque esse é um voto que não ajuda nenhum candidato a atingir os dez por cento do coeficiente eleitoral. Esse cenário somente reforça a já atual tendência de muitos partidos que não representam coisa alguma, o que contribui para o descrédito da sociedade com a política brasileira. A nova proposta reconhece os perigos do “efeito Tiririca”, mas chama atenção para a urgente necessidade de fortalecimento dos partidos políticos, e não dos políticos em si. Nada melhor para isso do que valorizar o voto na legenda e fazer com que todos os candidatos do partido possam trabalhar juntos em uma mesma mensagem institucional, mesmo que continuem concorrendo entre si pelo maior número de votos.
Essa nova proposta, ainda, é uma alternativa muito mais democrática e eficiente ao fortalecimento dos partidos políticos do que a ideia da votação em lista fechada, já que a ordem dos candidatos continua a ser definida pela votação popular. Por fim, a regra provavelmente faria com que se diminuísse sensivelmente o número de partidos políticos no poder, facilitando o ideal de governabilidade sem sacrifício ao objetivo representatividade: isso porque a referida diminuição atingiria justamente os partidos sem mensagens e pautas bem definidas, ou seja, partidos sem representatividade. Em suma, essa nova proposta representa uma simples mudança capaz de resolver diversas distorções no sistema eleitoral brasileiro: nada mal para um Congresso Nacional que usa o pretexto da Reforma Política para tentar mais do que triplicar o já absurdo montante do fundo partidário.
Cauê Bocchi é advogado (FGV-SP) e professor de redação no cursinho pré-vestibular da mesma instituição. Foi candidato a vereador pelo NOVO em São Paulo nas eleições de 2016.
O texto reflete a opinião do autor e não necessariamente a posição do partido.