
por Ricardo Mellão
A urgência na realização de uma Reforma Política é praticamente um dos poucos consensos existentes entre a população e o meio político. Uma comissão sobre o assunto já foi inclusive montada na Câmara dos Deputados para discutir o assunto. Considerando a inesgotável capacidade criativa parlamentar nacional, junto à tradição de legislar em causa própria, não será surpresa nenhuma o surgimento de algumas aberrações durante o processo.
Uma delas é o Projeto de Lei (PL) nº 6368/2016 que cria o Fundo de Financiamento da Democracia (FFD). Por ele, serão destinados exatos R$ 3 bilhões anuais dos cofres públicos para o financiamento de campanhas eleitorais (de presidente a vereadores) assim como para a manutenção de nossos partidos políticos, substituindo o hoje existente Fundo Partidário.
Para atingir esse valor, o autor do projeto, deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), se valeu da seguinte “metodologia”: levantou a contabilidade oficial das eleições municipais de 2012 (R$ 5,2 bilhões) e das eleições estaduais e nacionais em 2014 (R$ 4,8 bilhões) e as somou. Assim, concluiu que R$ 10 bilhões seriam “suficientes” para financiar tanto as eleições municipais, como as demais a cada quatro anos. E para garantir ganha pão dos partidos no período de “entressafra” eleitoral, acrescentou mais R$ 2 bilhões ao montante. Simples assim! Total de R$ 12 bilhões que divididos em quatro anos custarão ao erário os citados R$ 3 bilhões por ano.
Nada mal considerando os atuais tempos de acaloradas discussões fiscais. Ainda mais depois que a experiência das eleições municipais deste ano, com a vedação de doação por pessoas jurídicas, demostrou que o bonde da democracia continuou andando mesmo com os gastos de campanha bem reduzidos.
Para garantir que o FDD fique abastecido serão destinados 2% da arrecadação líquida do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Mas o pior está por vir. Conforme estipula o PL, do total de recursos que comporão o FDD, 5% será distribuído em partes iguais aos partidos que possuem representação no Congresso Nacional e 95% conforme o tamanho de suas bancadas. Assim, só terão acesso a verba do fundo os partidos que hoje possuem representação partidária no Congresso Nacional. Ou seja, ao cidadão médio que não se sente hoje representado por nenhum desses partidos, não haverá outra opção a não ser destinar compulsoriamente parte de seu IRPF para o financiamento destes.
Para piorar (ainda foi possível), o art. 3º do PL ainda estipula que “o FFD restringir-se-á à única fonte de financiamento das atividades partidárias e das campanhas eleitorais, restando vedada qualquer outra forma de financiamento, ainda que privada.” Com isso, o cidadão brasileiro, além de obrigado a financiar o que não quer, será ainda proibido de poder financiar qualquer outra nova opção que possa surgir ou melhor lhe representar.
Por fim, para não dizer que o brasileiro foi completamente lesado em seu direito de escolha, ainda lhe restará uma opção. Com o FDD dividido em dois, o “FDD Geral” e o “FDD de Preferência Partidária”, poderá o contribuinte optar, quando for declarar seu IRPF, destinar 70% dos 2% que irão para o FDD a um partido de sua preferência (entre os que possuem representação no Congresso). Caso não possua nenhuma, a quantia irá integralmente para o FDD Geral.
Assim, para a quase metade dos brasileiros que hoje não possui nenhuma preferência partidária por considerar que todos não passam de “farinha do mesmo saco”, restará-lhe ao menos a opção de poder escolher entre financiar a “farinha” ou o “saco” todo….
E com isso fica instituída no Brasil uma nova fase de nossa tão sofrida república: a era da democracia de compadrio. Jogando uma pá de cal em qualquer esperança de renovação político partidária no nosso país.
Ricardo Mellão foi candidato a vereador em São Paulo pelo Partido Novo