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Editorial: Vergonha alheia
Chama-se “vergonha alheia” o constrangimento diante de alguma situação embaraçosa protagonizada por outra pessoa, que raramente percebe o quanto está sendo tola ou ignorante. Não há melhor par de palavras para definir as falas de Lula durante sua visita à China e aos Emirados Árabes.
Viagens diplomáticas são oportunidades de ouro para presidentes polirem a imagem do país no exterior e difundirem ao público interno uma narrativa favorável. Lula bem que tentou anunciar acordos bilionários com a China para transmitir a mensagem de que “o Brasil voltou”, mas suas declarações atrapalhadas comunicaram algo a mais: “o Brasil voltou… a sentir vergonha do seu presidente”.
Durante a visita a Abu Dhabi, ao comentar o conflito entre Rússia e Ucrânia, o presidente brasileiro fez vista grossa para os ataques de Vladimir Putin a 3192 escolas e oitocentas unidades de saúde ucranianas, às mais de 6 mil crianças separadas de seus pais e conduzidas a campos russos, aos assassinatos de cidadãos da própria Rússia que se opuseram a Putin, e disse que a “decisão da guerra foi tomada por dois países”. Lula disparou ainda que “a Europa e os Estados Unidos terminam dando contribuição para a continuidade dessa guerra”.
Se a ideia era recuperar o “soft power”, a simpatia que o Brasil desfrutava aos olhos de outros países, as duas frases desastradas foram no sentido oposto. Desfizeram todo o esforço diplomático do Brasil para ser uma nação neutra com uma boa relação com outras potências mundiais. Foram contra a própria intenção de Lula de mediar a guerra entre Rússia e Ucrânia. Ao emitir seu juízo sobre o conflito, ele afastou o Brasil da posição de neutralidade necessária a um mediador.
Em resposta, como se estivesse falando com uma criança, o porta-voz de Assuntos Externos da União Europeia lembrou Lula alguns “fatos básicos”: “O fato número 1 é que a Rússia, e apenas a Rússia, é responsável pela agressão ilegítima e não provocada pela Ucrânia.” Já a Casa Branca considerou os comentários “equivocados” e acusou Lula de “reproduzir propaganda russa e chinesa.”
Falando em propaganda chinesa, Lula cedeu aos chineses ao afirmar, numa declaração conjunta com Xi Jinping, que “Taiwan é uma parte inseparável do território chinês”. A democracia de Taiwan, que tanto busca apoio internacional para se proteger dos avanços da ditadura chinesa, não ganhou ajuda do presidente que diz defender a democracia.
“Petistas costumam criticar quem coloca interesses econômicos antes dos direitos humanos. Pois foi justamente isso que Lula fez ao posar como uma marionete de interesses chineses e russos.”
Na verdade, é bem provável que os disparates de Lula sequer tenham servido a interesses econômicos: não beneficiaram ninguém, nem o próprio presidente.
Petistas que defendem um alinhamento com a China defendem que o Brasil não pode contrariar seu maior parceiro comercial. Dependemos demais dos chineses, dizem. Mas as relações de comércio são relações de interdependência, não de subserviência. Assim como o Brasil depende da China, a China também depende do Brasil. Do mesmo modo, os Estados Unidos são os maiores compradores de produtos chineses – e nem por isso a China abaixa a cabeça para os Estados Unidos.
Há dois polos bem claros no mundo atual: as democracias baseadas em liberdades individuais e direitos humanos, e os regimes autoritários da China e da Rússia, que oprimem cidadãos e perturbam vizinhos menos poderosos. O presidente Lula, aquele que foi eleito para supostamente “proteger a democracia”, mostrou em sua viagem que decidiu se alinhar às maiores forças que hoje ameaçam as democracias liberais.
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