
Já vai tarde. Muito tarde. A despedida de Luís Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal tem rastros de um legado que sintetiza as patologias do sistema judiciário brasileiro. Barroso foi a personificação do ativismo judicial. Foi a cara do STF como palco político. Foi a voz do corporativismo.
Barroso transcende sua persona. É a revelação de um modelo institucional em que alguns burocratas togados se consideram suficientemente iluminados para ditarem os rumos da sociedade. Suas declarações públicas, como o notório “derrotamos o bolsonarismo”, traduzem um Judiciário cada vez mais político e politiqueiro. Confrontado com a declaração polêmica, para dizer o mínimo, primeiro negou tê-la dito. Depois, alegou que a fala foi tirada de contexto. Na sequência, afirmou que por “bolsonarismo” queria falar “radicalismo”. A cada nova desculpa, Barroso piorava sua situação. Só lhe restou, ao fim, mandar um “perdeu, mané” a um brasileiro que lhe abordou durante uma de suas tantas viagens aos EUA.
Por falar em Estados Unidos, a perda do visto norte-americano mexeu com Barroso. Com negócios por lá, o vislumbre em não mais poder passear em Miami fez com que o ministro atenuasse o discurso punitivista contra os condenados pelo 8 de janeiro, dando prova de que decisões da Corte estão diretamente subordinadas aos interesses pessoais. Mas os brasileiros não esquecem. Barroso presidiu a Suprema Corte durante o julgamento e a condenação de centenas de pessoas por crimes que jamais cometeram. Foi responsável por meter na cadeia, com penas duríssimas, gente simples, que mal podia entender quais acusações pesavam contra si e sem direito ao devido processo legal.
Barroso, que sempre posou de garantista e defensor dos direitos humanos, foi protagonista de um dos períodos mais tristes da história do Judiciário nacional. Apoiou firmemente o famigerado inquérito das fake news, que se estende por escandalosos 6 anos e meio, sob sigilo, e serve de instrumento inquisitório para investigar e prender qualquer pessoa que ouse questionar Alexandre de Moraes e o Supremo. Barroso é sócio deste absurdo. É por isso que será lembrado.
Quanto aos gastos do Judiciário, a coisa é tão ruim quanto. Durante a gestão de Barroso à frente do Conselho Nacional de Justiça, foram criados penduricalhos inaceitáveis, que se somaram aos supersalários e indenizações pagos a juízes. A resolução 528/2023, por exemplo, passou a permitir férias de até 120 dias aos magistrados, ou conversão em dinheiro. Estima-se que quase 95% dos juízes brasileiros recebam acima do teto constitucional. Em 2024, pela primeira vez na história, os gastos com penduricalhos ultrapassaram os próprios salários.
Confrontado com esses fatos, Barroso disse que as críticas são exageradas. Afirmou que o judiciário “é caro, mas vale o que custa”. O exagero está na farra com o dinheiro público e no estratosférico custo do Judiciário: 146 bilhões de reais anuais. O exagero é que o presidente da Corte gaste milhões de reais usando jatinhos da FAB como táxi aéreo.
Semana passada, poucos dias antes de anunciar sua aposentadoria, Barroso concedeu entrevista em que declara seu amor por Lula. Àquela altura, já decidido seu futuro, não havia mais nada a esconder. Falou como um bom fã do petista. Nós já sabíamos, mas nunca é demais ter isso registrado em vídeo.
Barroso quis ser uma vanguarda iluminista no Judiciário. Ansiou pelo papel de ideólogo de um “novo Judiciário”. Nada mais enganoso. Foi vanguarda, mas outra: da consolidação dos privilégios e supersalários, da perseguição aos desafetos e do Supremo como braço político de um projeto de poder. Símbolo de uma era em que o Judiciário transformou-se em poder constituinte permanente, em que o sistema político é redefinido de forma unilateral.
Barroso vai tarde. Mas o dano que ele causou ao STF permanecerá.