O recente julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet é emblemático nesse momento sombrio por que passa o país.

Liberdade de Expressão sob Ataque: do Marco Civil ao Feudo Judicial

13 de junho de 2025

Raramente a liberdade é extinta da noite para o dia. Regimes autoritários não nascem de repente, mas são consequência de um contínuo e determinado processo de controle do discurso, da máquina pública e do processo eleitoral. O recente julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet é emblemático nesse momento sombrio por que passa o país. Ao flexibilizar as regras para responsabilização de plataformas digitais por conteúdos de terceiros, o STF abriu caminho para uma nova era de censura privada e judicial. A decisão vai incentivar a remoção preventiva de conteúdos, sufocando debates legítimos e restringindo a circulação de ideias, sob o nobre pretexto de combater a desinformação.

Para além do ambiente digital, a censura alastra-se como um parasita e encontra abrigo na arrogância institucional, sobretudo do Poder Judiciário. O caso da jornalista Rosane de Oliveira e do jornal Zero Hora, condenados a pagar R$ 600 mil de indenização a uma desembargadora do TJRS por publicarem dados públicos sobre salários, é um escandaloso exemplo. Não se trata de reparação de honra, mas de uma tentativa explícita de silenciar o jornalismo investigativo e proteger privilégios. A sentença transformou informações obtidas via Lei de Acesso à Informação em segredo de Estado, criminalizando o exercício do jornalismo e enviando um recado claro: quem ousar fiscalizar o Judiciário será punido ferozmente. O valor da indenização, desproporcional e sufocante, visa instaurar a autocensura e blindar um sistema marcado por salários acima do teto constitucional e completa falta de transparência.

O caso da justiça gaúcha pode até parecer piada, mas nem os risos estão à salvo. Semana passada, o humorista Léo Lins foi condenado a oito anos e três meses de prisão por piadas, num precedente que beira a loucura. A sentença, ao confundir discurso de ódio com liberdade artística, ignora séculos de tradição democrática onde o humor serviu como válvula de escape social e instrumento de crítica ao poder. O caso revela uma compreensão distorcida da liberdade de expressão: como se fosse possível democratizar uma sociedade criminalizando o riso, mesmo quando este é provocativo ou incômodo. A sátira, reconhecida historicamente como forma legítima de expressão artística e comentário social, encontra-se agora na mira de um sistema judicial que prefere a censura à contestação. Durante a ditadura militar, humoristas como Chico Anysio e publicações como O Pasquim enfrentaram censura similar, provando que atacar o humor sempre foi recurso de regimes intolerantes. Punir o riso é sintoma de quem não suporta ser questionado — e isso deveria envergonhar qualquer democracia que se preze.

Outro caso alarmante envolve o ministro Gilmar Mendes, que tentou silenciar um jornalista por meio de ação judicial após a publicação de uma reportagem crítica — porque, afinal, que autoridade pública não tem o direito sagrado de não ser incomodada? O episódio ganhou contornos ainda mais graves quando o relator no STJ mudou seu voto para favorecer o ministro, evidenciando a pressão institucional sobre a imprensa e a fragilidade das garantias democráticas quando interesses poderosos estão em jogo. O relator falou em “excesso de ironia” ao justificar a condenação do jornalista. 

Esses episódios, somados, desenham um quadro que seria cômico se não fosse trágico: a liberdade de expressão no Brasil está sob cerco por aqueles que juraram protegê-la. O Judiciário, que deveria ser guardião da Constituição, tornou-se, em muitos casos, agente da censura e do privilégio. A imprensa, o humor e o debate público são alvos de tentativas sucessivas de silenciamento, seja por decisões judiciais milionárias, seja por interpretações criativas da lei que transformam crítica em crime.

A democracia não sobrevive sem transparência, crítica e liberdade de expressão — verdades tão elementares que causam espanto precisar repeti-las. Condenar jornalistas por divulgar dados públicos, prender humoristas por piadas ou intimidar repórteres por reportagens incômodas é enterrar o espírito republicano e abrir espaço para o arbítrio. O Brasil precisa decidir se seguirá sendo uma República, onde a verdade é um ato revolucionário, ou se sucumbirá definitivamente ao feudo dos intocáveis.

Enquanto magistrados usam a lei como escudo para privilégios, a República definha sob o peso de sua própria hipocrisia. É hora de resistir: defender a liberdade de expressão é defender a própria democracia — mesmo que isso incomode quem se acostumou ao conforto do silêncio alheio.

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