
por Marie Simone Sandy
Toda regra jurídica existe para que direitos e garantias fundamentais sejam respeitados. A segurança da sociedade organizada está sujeita às leis, que são elaboradas conforme os costumes e a cultura de cada lugar.
A Constituição Federal (CF), como Lei fundamental da República e a maior na hierarquia das leis, define os limites e os procedimentos sob os quais os três poderes deverão atuar, como forma de estabilizar e assegurar o poder do Estado. Na hierarquia das leis, a CF está acima de todas, vindo logo abaixo as Leis Ordinárias, as Medidas Provisórias, os Decretos, Resoluções, Portarias e demais ordenamentos jurídicos.
Existe um princípio no qual a Constituição deve ser protegida do oportunismo, alicerçado na visão de que ela expressa um consenso social básico na sociedade. Contudo, infelizmente, nossos políticos têm o ímpeto de mudar a CF sempre que surge uma nova crise política. Os governos, ao invés de se adequarem às normas que são a salvaguarda até da própria democracia, preferem fazer mudanças na Constituição cada vez que interesses de um grupo estão ameaçados. É o que estamos vivenciando agora e justamente na maior crise de representação da história do país.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que está em curso no momento é a de nº 227/16, de autoria do deputado Miro Teixeira (REDE-RJ), conhecida como a PEC das Eleições Diretas. Tal proposta pretende, com base em um conflito existente na Lei Eleitoral com o texto constitucional, aprovar uma emenda para adequar a CF ao texto do artigo 244, parágrafos 3º e 4º da Lei Eleitoral nº 4737/65, que prevê eleições diretas no caso de vacância do cargo majoritário, exceto nos seis últimos meses do mandato. O texto constitucional determina eleições indiretas caso mais da metade do mandato tenha se passado no momento da cassação do presidente (artigo 81, par. 1º). O atual mandato do presidente Michel Temer começou oficialmente em 2015, com a eleição da chapa Dilma-Temer e termina em 2018. Portanto, mais de 50% do mandato já foram transcorridos. Assim, a eleição de um novo presidente, de acordo com a Constituição, terá que ser feito pelo Congresso, ou seja, de forma indireta, 30 dias após a perda do cargo. Enquanto a CF fala em eleições indiretas, o texto conflitante da Lei Eleitoral fala em eleições diretas no caso de vacância.
O Procurador Geral da República, acertadamente, arguiu a inconstitucionalidade do artigo da Lei Eleitoral através de uma ação, em observação à hierarquia do ordenamento jurídico: quando há notória colisão de conteúdo das leis, prevalece a norma superior, e não o contrário. Com essa PEC, o que se pretende é, na verdade, revogar a Constituição com uma norma menor e de conteúdo inconstitucional, o que é uma afronta à normatividade das leis.
A aprovação da PEC em foco, totalmente pautada na conveniência do momento, certamente deixará pairando pelo país uma atmosfera perigosa de desequilíbrio e de insegurança institucional.
Conforme mencionou o jurista Modesto Carvalhosa na última edição do programa Roda Viva, é necessária a manutenção do princípio fundamental do calendário eleitoral – que não pode ser mudado no meio do jogo – como forma de manter o Estado Democrático de Direito.
Confiamos que o STF, ao decidir, como guardião da Constituição de que se reveste, resguarde-a e proteja-a acima de todos os interesses.
Marie Simone Sandy é advogada.