Editorial: O ‘tribunal da verdade’ em ação

19 de abril de 2024

O tribunal da censura verdade em ação

Os Estados Unidos é o país com a mais longa tradição de defesa da liberdade de expressão no mundo. Consagrado na Primeira Emenda da Constituição americana, o direito ao discurso é uma das pedras sobre a qual a maior democracia do mundo foi construída. Por isso, é simbólico que o Congresso americano tenha contribuído no escrutínio das nossas fragilizadas instituições, mostrando em mais detalhes a censura e os abusos de poder cometidos pelo TSE e pelo STF, sob as rédeas de Alexandre de Moraes. Os documentos revelados pela comissão americana mostram que as ilegalidades denunciadas pelo Twitter Files são ainda maiores e mais graves do que pensávamos.

Não foram apenas algumas publicações removidas pelo arbítrio de um ministro: foram centenas. De críticas e questionamentos válidos ao STF, até matérias jornalísticas, piadas e memes. Nada escapou da caneta e da mordaça do Ministro. Entre os casos absurdos de censura, destaca-se o do então deputado estadual do Paraná, Homero Marchese. Seu “crime”? Divulgar a data e o horário de um evento em que os ministros do Supremo participaram em Harvard. Um evento público, também divulgado em outros canais oficiais. Em que outro lugar além do mundo paranoico dos “editores do Brasil” isso poderia ser interpretado como um crime?

Impressionam também os casos de censura de veículos da mídia tradicional. O portal UOL teve uma publicação removida das redes sociais por compartilhar uma matéria da Folha de São Paulo, que reportava a circulação de dados pessoais de Alexandre de Moraes entre grupos bolsonaristas. A reportagem não continha nada ilegal, apenas cumpria com a função elementar de um jornal, que é informar sobre o que está ocorrendo. O conteúdo foi removido, apesar do próprio mudar de ideia e voltar atrás dias depois. Já o colunista e antropólogo Flávio Gordon teve seu perfil no Twitter removido por citar dois trechos de um editorial do New York Times, que questionavam a segurança das urnas eletrônicas. Quando notícias publicadas nos maiores e mais antigos jornais do mundo são consideradas “desinformação”, é hora de questionar os critérios – e as motivações – deste tribunal da verdade.

No rol de excepcionalidades que vieram à tona está a participação da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação.  Este órgão, subordinado ao TSE – cujo presidente era o próprio Alexandre de Moraes – não possui independência formal e prerrogativas constitucionais para peticionar um juiz, como a Procuradoria Geral da República, por exemplo. Na prática, o órgão foi usado para monitorar as redes e dar ares de legitimidade ao acúmulo de poderes de Alexandre de Moraes, que era o responsável por pedir e autorizar a censura. 

Censurar uma publicação é uma medida drástica. Não pode ser tomada levianamente. Remover o perfil de um cidadão é ainda mais grave: é censura prévia de tudo que ele poderia dizer no futuro. Há uma completa inversão de valores quando a defesa da democracia é invocada para justificar a censura. Nenhuma democracia sai fortalecida silenciando vozes dissonantes. Pelo contrário: o diálogo, o debate e o contraditório estão na essência do que torna o regime democrático moralmente superior. Do outro lado da democracia está a tirania, onde imperam a censura e o silenciamento. 

O ministro Alexandre de Moraes declarou que “éramos felizes e não sabíamos”, falando sobre o período anterior ao surgimento das redes sociais. A declaração também é simbólica. Antes das redes sociais, um grupo pequeno de veículos controlava a produção e a circulação de informações pela sociedade. As redes sociais quebraram um monopólio. As pessoas comuns nunca tiveram tanta voz e tanto impacto no debate público. Para quem está acostumado a exercer o poder do alto de uma torre de marfim, deve ser assustador. 


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