Editorial: Como baixar, de verdade, o preço dos carros no Brasil

7 de junho de 2023

O escritor e investidor Harry Browne dizia que o Estado é hábil em “quebrar as suas pernas apenas para depois lhe dar uma muleta e dizer ‘veja, se não fosse por mim, você não seria capaz de andar’”. A metáfora explica bem a situação da indústria automotiva do Brasil.

Nesta semana, o governo federal anunciou mais muletas para as montadoras: um programa de R$ 500 milhões para subsidiar a compra de carros de até R$ 120 mil, que podem ficar até R$ 8 mil mais baratos. O dinheiro para bancar o subsídio virá da reoneração do diesel a partir de setembro.

A medida repete erros do governo Dilma, prejudica os pobres para beneficiar a classe média, deve durar poucas semanas – até o dinheiro do subsídio acabar – e passa longe de resolver as causas do alto preço dos automóveis no Brasil. Para baixar preços de forma consistente e definitiva, o governo Lula deveria, em vez de dar muletas, parar de quebrar as pernas das montadoras e de toda a indústria de transformação do país.

Há três medidas estruturais que causariam um choque de modernização e concorrência no setor automotivo.

A primeira é um tanto óbvia. Se o presidente Lula de fato quer baixar o preço dos automóveis, precisa parar de proibir que os brasileiros comprem carros importados mais baratos, melhores e mais seguros que os nacionais.

A abertura de mercado ajudaria não só os consumidores, mas, no longo prazo, a própria indústria brasileira. O setor automotivo é o mais protegido da nossa economia. O Brasil tem hoje a sétima maior taxa de importação de veículos do mundo, de 35%, que somada aos impostos locais chega perto de dobrar o preço dos carros produzidos fora do Mercosul. O setor recebe uma assistência tarifária (a renda transferida da sociedade para o setor através da proteção comercial) equivalente a R$ 22 bilhões por ano – o equivalente a 440 mil carros de R$ 50 mil.

Mas esse protecionismo não protege: pelo contrário, mantém a indústria numa crise constante, sobre muletas, escorando-se no mercado interno, sem competitividade para conquistar mercados externos. O Brasil foi, em 2021, o oitavo maior produtor de carros, mas apenas o 31º maior exportador.

Protegida dos concorrentes, a indústria nacional não se moderniza. Enquanto a agropecuária teve enormes ganhos de produtividade depois da abertura comercial dos anos 1990, o setor automotivo tem produtividade estagnada há três décadas. Para se tornarem competitivas no mercado internacional, linhas de montagem precisam produzir 300 mil carros por ano – mas a média das montadoras nacionais mal chega a 10% disso.

Pior ainda, quando políticos impõem regras de conteúdo local – como faz o novo programa de Lula, que dá mais desconto a veículos com um mínimo de produção nacional ou do Mercosul – dificultam que as fábricas utilizem peças e tecnologias melhores e mais baratas produzidas ao redor do mundo. A medida bem-intencionada isola o país das cadeias globais de produção.

Uma segunda atitude evidente é deixar de cobrar da indústria de transformação impostos mais altos que o de outros setores. De acordo com dados da CNI de 2017, enquanto a carga tributária da agropecuária foi de 6% e a do setor de serviços, de 23%, a indústria de transformação pagou 44% de impostos. Em nenhum lugar do mundo um setor consegue andar com as próprias pernas tendo que suportar uma carga tributária tão pesada.

Há ainda o “custo da conformidade”, ou seja, o dinheiro que as empresas gastam apenas para entender como devem recolher ICMS, Cofins e outros impostos. E também o preço dos embates na Justiça entre as empresas e as receitas estaduais. O valor de todas as disputas tributárias do país passa de R$ 5 trilhões; estimativas apontam que montadoras de automóveis esperam o pagamento de cerca de R$ 20 bilhões de créditos tributários dos governos estaduais.

A terceira ação é cortar gastos para que seja possível baixar os juros. Assim como o setor de infraestrutura, a indústria automotiva requer um enorme capital para começar a operar. Mas capital é algo escasso no Brasil  – e portanto caro.

O principal culpado por essa escassez é o Estado brasileiro. Quando toma dinheiro emprestado para pagar suas dívidas, o setor público drena recursos que poderiam ser usados pelas empresas na construção de fábricas. Ao concorrer com as empresas por empréstimos, o Estado manda a taxa de juros para cima.

Por isso é tão urgente o corte de gastos. O país precisa aumentar seu nível de poupança: ter mais dinheiro disponível para investimentos. Isso não vai acontecer enquanto a poupança pública for negativa, ou seja, enquanto o Estado gastar mais do que arrecada.

Mesmo quando as montadoras recebem investimentos da matriz estrangeira, o dinheiro quando chega ao Brasil sofre o mesmo custo de oportunidade. E fica sujeito à variação do câmbio, que se desvaloriza se há temor de que o governo não vai conseguir pagar suas dívidas.

Não há mágica, não há escapatória. O anúncio de programas de subsídios para a compra de carros pode render notícias positivas para Lula e baixar preços durante algumas semanas. Mas, no longo prazo, só a abertura econômica, a reforma tributária e o ajuste fiscal são capazes de fazer os setores automotivo e industrial como um todo caminharem sem o auxílio de muletas.

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