Editorial: ENEM ideológico revela o baixo nível dos cursos de Humanas no Brasil

6 de novembro de 2023

A primeira prova do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2023 foi aplicada neste domingo para estudantes de todo o Brasil. O teste, que serve como porta de entrada para o ensino superior de milhões de jovens, também se mostrou uma janela para o crônico atraso das faculdades de Ciências Humanas do país. Mais do que avaliar as habilidades cognitivas e interpretativas dos alunos, a prova recompensa quem se alinha aos preconceitos ideológicos dos seus organizadores. Para o Ministério da Educação, o aluno modelo do ENEM deve ser um perfeito autômato, repetindo os mesmos motes enviesados da esquerda brasileira.

Ao longo das 96 questões, os estudantes têm que lidar com o antiquado repertório de críticas marxistas: ao capital que “impõe os conhecimentos biotecnológicos” e ao modelo capitalista que “(…) subordina homens e mulheres à lógica do mercado”. O agronegócio é associado à “violência simbólica, a superexploração, as chuvas de veneno e a violência contra a pessoa”. Numa questão sobre acesso às práticas corporais e atividades físicas, o foco é a desigualdade entre as classes sociais. A adoção do garfo na corte francesa dos séculos XVI e XVII? Mais uma vez, classes sociais.

Entre os autores mencionados na prova estão Adorno e Horkheimer, expoentes da chamada “Escola de Frankfurt” de orientação marxista; Michel Foucault, representante da esquerda pós-moderna; Milton Santos, geógrafo crítico ao capitalismo e à globalização; e Paulo Freire, patrono da educação brasileira e autor de Pedagogia do Oprimido. Toda a prova parece construída em cima do tema da opressão, seja na classe social, nas desigualdades de gênero, racismo, colonialismo e preconceito contra povos originários. Até o machismo dos Jetsons, desenho animado da década de 60, é problematizado.

Os organizadores da prova costumam argumentar que citar trechos de autores de esquerda não significa concordar com eles: são apenas trechos para os estudantes interpretarem. Não há nenhum problema em incluir esses temas numa prova para estudantes do Ensino Médio. Pelo contrário, nossos jovens devem ser capazes de pensar estas questões de forma articulada verdadeiramente crítica.

Mas impressiona o baixo nível das referências dos professores que criam as questões. As perguntas mostram como o repertório deles é limitado; como ainda estão imersos num ambiente intelectual de décadas atrás, sem contrapontos ou uma leitura mais complexa de fenômenos sociais. Na narrativa subjacente ao ENEM, não é possível qualquer leitura imparcial do capitalismo como uma força positiva, que, apesar dos seus problemas e contradições, foi capaz de reduzir a pobreza no mundo, por exemplo. É grave que o principal exame educacional brasileiro tenha um viés tão forte que a receita do sucesso na prova seja escolher o que estiver alinhado às ideologias da esquerda. A diversidade é importante, desde que não inclua a diversidade de opinião.

Isso é sintoma de um problema mais profundo, que já começa nas universidades. Há décadas os cursos de humanas são nichos dominados por acadêmicos de esquerda. Os vieses políticos e ideológicos são nítidos, e transmitidos para as salas de aula pela formação dos professores. Cada professor tem o direito a sua posição política pessoal, mas quando toda a instituição é capturada pela mesma vertente ideológica, ela corre o risco de se  desviar de sua função. Doutrinação ideológica é incompatível com uma escola que ensina e prepara os jovens para o futuro.

As faculdades de Humanas estão se tornando templos de seitas da justiça social. Abandonaram há tempos o debate aberto e a busca desinteressada pela verdade para repetir credos de extrema esquerda – e excomungar quem se atreve a pensar diferente ou propagar “tabus”.

Essa controvérsia não está restrita ao Brasil. A Heterodox Academy, organização fundada por Jonathan Haidt, Chris Martin e Nicholas Rosenkranz nos EUA, surgiu justamente para defender uma maior diversidade de pontos de vista políticos e ideológicos nas universidades americanas. Afinal, o debate acadêmico se torna mais rico e produtivo quando pessoas defendem opiniões diferentes de forma honesta e racional.

Enquanto o ENEM se transforma num teste de alinhamento ideológico, o desempenho dos estudantes brasileiros está longe de ser motivo de orgulho. Os resultados do Brasil no PISA são inferiores inclusive quando comparados com países que investem menos do que nós em educação. O conteúdo do que é ensinado em sala de aula importa, e a doutrinação é parte do problema. A educação brasileira falha em ensinar nossos jovens a interpretar textos e realizar operações matemáticas avançadas, falha em oferecer ensino técnico e profissionalizante, e ainda os ensina mitos sobre uma sociedade capitalista, opressora e desigual. Não é a fórmula para preparar uma geração para o sucesso.  

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